26 de novembro de 2007

Só no mundo

Chamava-se Cristina e tinha 23 anos e uma história de marejar os olhos. Família de onze irmãos. Das treze pessoas sobraram ela e dois irmãos, um dos quais não via há cinco anos. O pai fora morar com outra depois de encher a mãe de filhos. Fez mais três na outra matriz. Morreu aos 50 anos de cirrose hepática, a mãe morreu de complicações no pulmão.

Um por um os irmãos foram morrendo: Numa só noite dois irmãos foram esfaqueados; quatro deles em três anos por atropelamento, overdose, ataque epiléptico e doença que ela nem sabia dizer qual. Para resumir: ela e o Cristiano só tinham um ao outro. Ele com dezesseis anos, dependente dela. Queria uma ajuda porque Cristiano andava mexendo com maconha e ela não podia perdê-lo. O rapaz deu de não mais estudar nem trabalhar.

O dinheiro do aluguel mal dava para se manterem. Uma escola mudaria o Cristiano. Fiquei olhando aqueles olhos tristes e vermelhos de chorar, pelo único irmão que lhe sobrara. Indiquei um grupo católico que ajudava rapazes drogados. Conseguimos internação. Ontem fiquei sabendo que há 6 meses o rapaz morreu afogado em Santos.

Sobrou a Cristina. Veio me ver. Está envelhecida aos 27 anos.
Só no mundo e literalmente só.
Pediu licença e fez-me uma pergunta:

- Deus quis tudo isso, padre?

Se eu fosse da linha fundamentalista, iria citar umas 20 frases da Bíblia, para dizer que Deus sabe o que faz e que isso tudo foi para o bem. Como minha fé não tem resposta para tudo , respondi:- Gostaria de saber porquê, mas não sei. Gente como você Cristina, faz a gente repensar o conceito de vida e de Deus. Agora você sofre. Daqui a 15 anos teremos outras respostas. E quem sabe você estará me explicando a dor da cruz.

Apertou-me, abraçou-me e disse:
- Não lhe contei. Estou namorando e vamos nos casar no fim do ano. Reze por nós.

E eu...- Olha aí uma resposta!

Pe Zezinho scj

22 de novembro de 2007

Realistas e idealistas

O realista se proclama alguém capaz de administrar os fatos como eles são e não como poderiam ou deveriam ser. O idealista acha que as coisas podem voltar a ser o que eram, ou vir a ser o que poderiam ser. Um e outro têm os seus limites. O realista pode acabar fazendo mais concessões do que deveria fazer e o idealista pode não perceber que seu tempo passou, ou não virá nunca, pelo menos não daquele jeito.
Nem todo o idealista é um inconformado e nem todo o realista é um conformado. Não são adjetivos que devam andar juntos. Pode-se ser idealista e, ao mesmo tempo conformar-se com alguns fatos e situações, por questão de convivência. Se não fizer isso, a pessoa pode acabar na intolerância e na ditadura. Pode-se ser realista e administrar agora, por enquanto uma situação incomoda, até que se possa por em prática o sonho que teve que esperar. Políticos, e religiosos que sonham algo para seu povo podem assumir uma das duas posturas. Não fazer nenhuma concessão, fazer concessões demais. Quando achamos que as coisas têm que ser como as sonhamos, corremos o risco de nos acharmos maiores do que o nosso sonho. Quando tudo tem de acontecer como sonhamos, então o que conta não é o projeto, mas nossa vontade e a nossa vitória. Arquiteto que não faz mudanças nos alicerces do seu projeto quando o terreno se revelou mais insidioso do que parecia corre o risco de não terminar o que projetou. Piloto que não corrige ou não muda substancialmente a rota, quando a tempestade se revelou mais forte do que se supunha pode por em perigo as vidas que tem sob sua responsabilidade.
Há idealistas que se gabam de não fazer concessões, Parecem puros , mas não são.. Traçaram a rota e fiam fiéis a ela, aconteça o que acontecer. Parece bonito e heróico, mas é irresponsável. Imagine o piloto que descobre que pode cair no olho de um furacão e espera que o furacão saia do seu caminho ao invés de ele sair do caminho do furacão. Os dois estão de vento varrido, mas o idealista puro que nunca faz concessões é o mais perigoso. Todo mundo já sabe o que o furacão pode causar. Furacões nunca são bonitos e simpáticos. Certos idealistas radicais encantam. Até o dia em que rompem conosco, porque não foi possível fazer as coisas como eles queriam. Em nome do princípio da fidelidade a si mesmos e aos seus projetos são capazes de romper amizades de muitos anos. Não conseguem ser amigos de quem não fez o que eles queriam que fosse feito. Postes não se dobram e não se vergam. É por isso que são postes. Árvores choram, balançam, curvam-se e perdem os frutos, mas se renovam. É por isso que são árvores.

Pe Zezinho scj

7 de novembro de 2007

Crentes e católicos

Sou crente católico. Quando um fiel diz isso por varias razões e faz a sua lista , talvez ouvirá um evangélico dizer que é crente evangélico por isso , mais isso mais aquilo. O erro está naquele que acrescenta : “Portanto , sou mais cristão, sou melhor filho , estou mais salvo e sou mais fiel do que você . Estabelecer identidade é uma coisa , agredir o outro. é outra. Não preciso apagar a estrela do outro para mostrar a grandeza da minha. Não preciso xingar nem diminuir a mãe do meu amigo ou vizinho só porque acho a minha mais bonita e mais serena. E não preciso trocar de mãe se já tenho uma e me dou bem com ela . Nem que não me desse bem , ainda assim teria que aprender a viver com minha mãe .A questão da identidade tem a ver com a fé no Espirito que nos inspira . Não nascemos em vão da mãe que temos e não fomos chamados a viver esta fé por acaso . Temos raízes e podemos frutificar na nossa própria igreja . Para ser santo não é preciso mudar de igreja . O que é preciso é mudar de vida e saber quem somos, o que Deus espera de nós e o que podemos dar a Deus nesse caminho e nesta Igreja em que ele nos colocou .Quem quiser odiar, agredir e ofender sua Igreja mãe porque ela não disse nem fez tudo o que ele esperava será como o filho que procura outra identidade , e vai embora procurar outra mãe porque a mãe da qual ele nasceu lhe parece errada. É difícil crer que esse filho seja tão santo que possa trocar de mãe sem conseqüências . Isso mexe com identidade . Cristo no catolicismo ou numa outra igreja ? A escolha é fundamental e só pode ser feita na serenidade. Os que proclama sua identidade às custas de mentiras ou agressões contra a outra igreja perdem a moral . Os que estabelecem sua escolha porque realmente acreditam no Espirito Santo de Deus, aprendem a respeitar o mesmo Espirito que arranca o que divide e que aproxima até os inimigos . Descobrem que são quem são por graça de Deus e que os outros são quem são por graça do mesmo Deus . Quem acha que ser cristão é uma graça e não o ser é uma desgraça , não entendeu Jesus .

Pe Zezinho scj