13 de agosto de 2009

Humanos desumanos

Os peixes se devoram vivos, répteis vivem de devorar e comer suas vítimas ainda vivas, pássaros comem suas pequenas presas vivas, leões matam e às vezes comem partes dos animais ainda vivos, o ser humano primeiro mata, depois come. Muitas plantas matam outras para ocupar o seu lugar. A morte provocada do outro está disseminada pelo ar, pelas águas, pelas florestas e pelo subsolo. São os caçadores e suas presas, são as presas que escapam de um caçador e partem para caçar.

Gostaríamos que fosse diferente com a espécie humana, mas a história do ser humano também é a de ocupação do espaço das águas, das matas, dos animais e dos outros humanos, de caça, de invasão e de morte, em nome do seu povo, da sua política, da sua fé e da sobrevivência. Somos animais racionais, mas quando se vai a razão e triunfa a ideologia, o fanatismo religioso, o mercado e a ganância, matamos mais do que os animais. Bombas poderosíssimas foram inventadas para matar mais gente e deter o inimigo. E sempre há uma explicação para os novos caças bombardeiros, as novas ogivas, as novas bombas e as novas mortes do nosso lado e do lado de lá. Então, inventamos essa coisa de patriotismo, inimigo, vilão e herói. E o povo aplaude do que ouviu e viu, mas não necessariamente o que aconteceu, porque nem os governos nem a mídia contam toda a verdade.

Alguns lideres políticos que se afirmam religiosos, em nome de sua fé, de sua visão sociopolítica ou socioeconômica matam ou mandam matar e depois vão orar e dormir em paz com o Deus em quem acreditam, sabendo que mataram duas, três, vinte ou cem mil, pessoas. E dizem que não havia como não matar. Falam com Deus ou com o seu povo como se tivessem feito um grande bem ao tirar desta vida quem prejudicava sua fé, seu governo ou o seu grupo dominante. Alguns são aplaudidos e recebidos como heróis pro chefes de governo. Mas mataram e mandaram matar.

Levará milênios até que o ser humano seja de fato civilizado e mostre que é diferente das onças dos tigres e leões, das hienas, das jibóias, dos tubarões e das águias. Mas, enquanto fabricarmos bombas, punhais, e enquanto tirarmos a vida de um outro para termos o que ele tem, ou para que ele não nos atrapalhe, não podermos falar em humanidade. Seremos humanos desumanos!

Pe. Zezinho, scj

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11 de agosto de 2009

Namoro fatal

A menina era jovem, 17 anos, bonita, saudável, filha muito amada, pai falecido, mãe cuidadosa e presente. Tinha dois irmãos. Um dia, nunca se soube por que, encantou-se por um rapaz de 23 anos, bandido, líder de gangue, que mexia com desmanche e tinha costas quentes na cidade. Não havia como prendê-lo e também não adiantava denunciá-lo. Mas ela gamou. Também ela nunca soube explicar por que, uma vez que admitia que ele era mau caráter e bandido. Não houve jeito.
Falei o que sabia e como sabia, oramos, a mãe chorou, orou, falou, mas a menina foi morar com ele. Nunca mais manteve contato com a família, menos ainda comigo. Ele a ameaçava. Dois anos depois o arquibandido a deixou na porta da casa da mãe, em petição de miséria. Estava com HIV. Contraíra dele. Fui chamado. Conversamos. Naquele tempo o tratamento era quase que impossível. O hospital não tinha recursos. Ameacei deixar a menina em um leito, na porta do hospital, se não dessem atendimento. Deram, mas devolveram-na, dizendo que não tinham o que fazer por ela. Voltou para morrer.
A mãe fez o que sabia. Cuidando dela com luvas. Quando ela sentiu que morreria pediu o crucifixo que eu carregava. Tirei-o e o coloquei-o no seu pescoço. Falamos sobre eternidade, sobre erros, arrependimentos e sobre perdão. Eu disse a ela que dois anos de erros não precisam ser uma eternidade de erros. Morreu serena. O rapaz sobreviveu seis meses, mas morreu também ele da mesma doença. Era toxicômano.
Conto essa história que faz parte de milhares de outras, para lembrar que, às vezes, as pessoas não têm controle sobre suas paixões. E algumas paixões por mais claro que seja o risco, são mortais. Ela quis uma vida efêmera com ele. Sabia dos tóxicos. Mas preferiu morrer ao lado dele a viver sem ele. Há coisas que não é possível explicar. A gente lamenta e tenta compreender. Quando me lembro deles eu oro. Esses dias passei perto da casa dela. A mãe vendeu a casa e mudou. Orei para que ela esteja vivendo uma eternidade perdoada e feliz. De lá, onde ela está, imagino que também ore por mim.
Orei também por ele, que matou algumas pessoas e foi responsável pela morte de muitas outras com o seu comércio de drogas. Espero que tenha sido perdoado, porque aqui neste mundo, ele não fazia questão nem da opinião dos pais nem da opinião de Deus.


Pe. Zezinho,scj