Não faz muito tempo, pus-me a pensar nos meus irmãos que foram embora do catolicismo. São milhões. Pensei também nos que vieram embora do protestantismo e do pentecostalismo. Não são milhões, mas é um número significativo.
O que os levou para lá? O que os trouxe para cá, se todos dizem que se trata do mesmo Deus, do mesmo Pai e do mesmo salvador Jesus Cristo? Eu diria, entre mais de vinte razões que conheço, que sentir-se alguém lá ou aqui, a noção de permitido e proibido o ângulo de visão e o enfoque respondem pela maioria das opções de ir ou de vir.
Perderíamos a perspectiva e estaríamos sujeitos a sermos julgados por Jesus na mesma medida (Mt 7,1) se nos puséssemos a julgar estes irmãos e estas irmãs que por razões que só elas sabem quais foram, não quiseram mais adorar, cultuar, pensar, cantar, orar e caminhar conosco nos nossos templos. Nossos irmãos evangélicos e pentecostais correriam o mesmo risco, se começassem a julgar os que não quiseram mais caminhar com eles nem pensar ou orar como eles fazem e vieram para o catolicismo.
Pedro, André, Tiago, João, Bartolomeu e os outros e, mais tarde, Paulo continuaram judeus e amando o seu povo, mas decidiram crer que Jesus era o Messias prometido. Apostaram sua vida nessa direção e morreram por esta verdade.
No caso de quem foi para outra igreja ou veio para a nossa, mais do que as doutrinas ou dogmas que sustentam vai valer o modo com tratam os outros. Seremos julgados não pelo nosso modo bonito de dizer “Senhor, Senhor”, de fechar os olhos e entrar em êxtase, e sim, pelo modo bonito de querer bem as pessoas, mesmo aquelas que não comungam mais das nossas preces ou idéias.
São milhões os que nesses últimos 40 anos mudaram de religião, ou, dentro da religião cristã, mudaram de igreja e de enfoque. Eles agora crêem de um jeito que ontem não sabiam nem admitiam. Uns deixaram para trás muitas crenças de ontem. Outros assumiram ou reassumiram, numa dimensão mais adulta, as crenças que há quinze anos tinham abandonado.
“Criação, evolução, povo de Deus, anjos, visões, revelações, aparições de anjos ou de santos, julgamento final, volta de Cristo, reencarnação, céu, inferno, purgatório, intercessão, último dia, ressurreição da carne, perdão dos pecados, ação do Espírito Santo, dom de línguas, eucaristia, santos, imagens, o papel de Maria, predestinação, eleição, perdão de pecados, penitência, culpa e reconciliação”... e dezenas ou centenas de outras afirmações e doutrinas hoje dividem muitos cristãos. Um crê nisso e outro naquilo, um de um jeito e outro de outro. E todos acham alguma passagem bíblica para garantir que o seu grupo religioso está mais certo do que o outro.
Há os mais agressivos: ofendem, brigam, chutam símbolos, queimam livros e atacam. Entendem-se tão certos que arriscam ser condenados por Deus, ao julgar o irmão de outra fé e até mesmo afirmar que os de outra religião têm o demônio na mente ou estão nas trevas. Julgam, sabendo que Jesus disse que seriam julgados pelo que falassem contra seus irmãos. Mas arriscam. ( Mt 7,1-3)
Há os gentis que discordam, mas respeitam. Olham o céu, a terra, o perdão, a graça e a vida com outras lentes e de outro ângulo, mas respeitam o jeito e a visão dos outros. Não acham que suas igrejas são melhores só porque estão cheias de novos adeptos. Ficam felizes, mas não chegam ao extremo de achar que números fazem uma igreja mais santa que a outra. Neste caso, teriam que dizer que a Igreja Católica no Brasil é mais santa do que a deles porque, bem ou mal, ainda somos 74% dos brasileiros. O número e o crescimento não fazem uma igreja boa. É o modo como seus fiéis vivem e respeitam os outros que dá uma idéia do valor essas pregações e das suas preces.
Ligo a televisão e o radio, ouço as canções e o discurso dos católicos, cada qual com os seus enfoques, dos evangélicos das mais diversas procedências, dos pentecostais, do neo- pentecostais, também eles com os seus mais diversos enfoques e suas ênfases e vejo como as igrejas estão marcadas pelos seus pregadores. Sempre estiveram. Montano Donato, Ário, Eutíquio, Atanásio, Crisóstomo, Agostinho, Nestório e mais tarde Wycliffe, Calvino, Huss, Lutero eram pregadores fortes que arrastaram milhões de fiéis para o seu lado da fé. Seus fiéis pensaram não necessariamente como Cristo pensava, mas como os pregadores diziam que Cristo pensava.
As coisas não mudaram muito. A maioria dos convertidos para uma igreja ainda se convertem primeiro para os argumentos do pregador e só depois para o Cristo que o pregador anunciou. Mas acabam pensando do jeito que o pregador pensa. Ou trocam a palavra do padre pela do pastor ou a do pastor pela do padre. Muitos nem sequer lêem mais nada. Dependem do que seu pregador predileto diz na pregação de quarta feira ou de domingo.
Relevância é um ponto fundamental na mudança de religião. Sentir-se chamado, escolhido e eleito para conhecer novos mistérios ou a verdade de um jeito melhor e mais verdadeiro é o que leva alguém para outra religião. Quem fez a mudança deve ser respeitado, quer vá para lá, quer venha para cá. A agressão e as ameaças não funcionam. Vale a graça. E esta é Deus quem dá, por mais que o pregador se ache no direito de decidir quem a tem e quem não a possui.
Feitas as contas, os caridosos definem uma igreja. Quem, depois da sua conversão, não sabe conviver com quem crê ou pensa diferente dele, na verdade não se converteu: apenas mudou de tribuna para pregar os seus preconceitos. Deixou de pecar num templo e foi pecar no outro. Não conseguiu ser santo aqui e não está conseguindo ser santo lá. Não entendeu que converter-se é mais do que mudar de igreja: é mudar de vida.
É bem isso o que ainda não aconteceu com muitos convertidos. Eram bem menos prevalecidos e agressores, quando estavam do lado de cá. Agora que dizem ter Jesus, acham-se no direito de ofender com palavras e atitudes até cruéis os que ficaram na sua antiga igreja. Entregar-se a Jesus é mais do que isso que eles andam fazendo. Já ouviu alguns programas de radio na madrugada?
18 de maio de 2008
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