6 de dezembro de 2008

Um Deus conveniente

Que Deus anunciamos? O Deus que nos vem ou o Deus que nos convém?

Muitos pregadores e fiéis trocaram o Deus que lhe vem pelo deus que lhes convém. Pode acontecer se é que já não aconteceu conosco! Que Deus anunciamos? Aquele que é quem é, ou aquele que é como nós imaginamos que seja, ou que gostaríamos que fosse?È cada dia mais perceptível no discurso dos templos e da mídia o anuncio de um Deus pessoal, visto apenas a partir do próprio ângulo. É como descrever uma cachoeira apenas pelo que vemos e não pelo que ela é e a partir das descrições de outros que a viram de outros ângulos. Não somamos a vista dos outros. Ficamos apenas com a nossa que achamos ser ou a única ou a mais verdadeira e condizente.Percebe-se em muitas pregações um discurso não a serviço do Deus que vem, mas do Deus que mais convém. Os pregadores nem sequer disfarçam duas intenções. O discurso é pragmático e utilitarista. Não anunciam o Deus que é quem é, mas o Deus que fez isto mais aquilo por eles e por meio deles. O verbo ser cedeu lugar ao verbo fazer. Deus faz acontecer e nós fazemos acontecer em nome de Deus, logo somos mais de Deus do que os outros.O que seria crer no Deus que vem? Seria aceitar Deus como Ele quer vir, como for da vontade dele, no tempo dele e o jeito dele. Pode até ser bonito querer apressar o tempo de Deus, mas nem sempre é gentil e respeitoso. Muitas vezes é inútil. No dizer de Jacques Attali “o tempo é a única realidade verdadeiramente rara, pois ninguém pode produzi-lo, ninguém pode vender aquele de que dispõe, ninguém pode acumulá-lo.” (Uma breve Historia do Futuro, 2008, pg 127, Novo Século)Crer no Deus que vem seria muito mais crer do que arrotar certezas de milagres, muito mais pedir do que garantir que Deus agirá deste ou daquele jeito. Uma coisa é apostar que Deus agirá de um jeito ou de outro e bem diferente apostar que agirá deste ou daquele jeito. Não se diz a Deus o que Ele fará, nem quando, nem a quem. Crer no Deus que vem seria viver o “Pai Nosso”, prece na qual, além de louvar o nome do Senhor, o fiel aceita a vontade dele do jeito dele no céu e na terra.

É também pedir o pão necessário de cada dia, e não necessariamente riquezas e primeiros lugares e conta mais polpuda no banco. Seria ainda pedir perdão e perdoar. Seria admitir que sabemos pouco e querer saber mais sobre Deus. E o que seria anunciar o Deus que nos convém? Seria inventar com Ele uma cumplicidade que não existe usar seu nome em vão, trombetear nossa caridade e nossa capacidade de converter, curar e expulsar demônio. É pregar coisas como “traga o seu demônio que os o expulsamos” E se não houver expulsão será por culpa da sua falta de fé... É garantir ressurreições, três delas na mesma tarde e, além disso, alardear o milagre pelo rádio.

Anunciar o Deus que nos convém é criar demônios da dengue, da malária, da diarréia, da unha encravada, da dor de cabeça, para mais facilmente o derrotar no templo e, assim, fazer o fiel pensar que foi a prece e a exortação do pregador que mandou os demônios de volta ao inferno. É chamar a atenção não para o poder de Deus, mas para o poder dado ao pregador. É derrubar pessoas com toque poderoso e chamar a mesma pessoa para dar testemunho de cura para atrair mais gente. É falar com o demônio ao microfone e solenemente expulsá-lo na frente da assembléia e dos telespectadores. É cobrar o dizimo e garantir que quem o paga vai para o céu e quem não o paga não cresce na vida. Crer no Deus que nos convém é dar o microfone a quem se declara curado e negá-lo a quem, dois meses depois, volta para avisar que a doença voltou! É prometer grandes prodígios na Rua X, numero 25, Bairro Y, às 3,15 da tarde. É adotar o discurso não compromissado de quem não pode criticar o governo que lhe concedeu aquele canal.

Crer no Deus que nos convém seria anunciar revelações que não existiram, visões que não aconteceram, dar uma de profeta que não somos garantir que o anticristo já veio e está agindo nos outros, principalmente nos adversários... Seria super-exaltar os nossos santos e negar os dos outros. Seria sugerir ao povo que ande sem medo pela rua, porque os anjos de Deus cuidarão de cada fiel, mas ele mesmo, o pregador dispensar os anjos e andar com três ou quatro guarda-costas...

Crer no Deus que nos convém seria vender óleo de cozinha como se fosse óleo santo das oliveiras de Jerusalém, medalhas com água do Rio Jordão, pó da Terra Santa. Seria vender uma água na qual Jesus não tocou. Quando o pregador não explica e não põe os pingos nos is, o fiel acaba atribuindo pontos ao tamanho da vela.Com facilidade se prega hoje na mídia um Deus conveniente que ajuda a angariar adeptos, porque o dízimo dado a Deus reverte em barcos, casas, empregos e sucesso financeiro. Será assim tão fácil? A Bíblia não diz que é sempre assim. Anuncia-se um Deus do tipo “dê que eu dou”, “ não dê para ver o que lhe acontece”... O mundo está cheio de porta-vozes com recados que Jesus não mandou dar, mas assim mesmo são dados porque é melhor um templo cheio de gente que não questiona ou exige provas do que um templo com cem pessoas cheias de perguntas e questionamentos. Gente dócil enche mais templos do que gente indócil, que não se deixa doutrinar aos gritos. Gente dócil prefere uma fé que não exija provas ao pregador. É altamente suspeito um templo onde o demônio fala ao microfone e é expulso, mas nenhum anjo ou santo pode falar. Como é que é? Entrevista-se o fiel possuído pelo demônio e não se entrevista o fiel possuído por um anjo? O demônio fala e os anjos e santos não falam? O inferno fala e o céu fica mudo?Sim, o céu fala coisas novas. Mas que coisas? As que a Deus convêm ou as que convêm às novas igrejas, ao movimento e ao pregador que precisa segurar aquele povo à sua frente?E então? A mídia muda ou não muda o discurso das igrejas? Se estiver lendo estas páginas em aula, debata e discuta! Quem muda quem na mídia?

Pe Zezinho, scj

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