18 de agosto de 2008

Quando os outros se convertem

Tenho sobrinhos freqüentando três ou quatro igrejas diferentes porque seus pais fizeram a opção diferente do catolicismo. Alguns e algumas estão voltando, outros permanecem lá, onde formaram a sua fé. Há um ou outro que recentemente foi embora do catolicismo.

Eu sou padre católico, prego para multidões, mas não brinco de dono de almas ou consciências. Quero que meus sobrinhos sejam felizes e tenham com Deus um relacionamento sadio e sincero, mesmo que eu discorde deles. Eles sabem como eu pratico meu catolicismo, sabem como os católicos da família praticam o seu e terão que fazer as suas escolhas praticando também em suas igrejas uma fé serena e sincera.

Pelo menos entre nós não tem havido brigas de fundo religioso, quando nos encontramos há um grande respeito pela fé que cada um seguiu e há uma admiração pelo que há de bom nas igrejas um do outro, embora haja também discordâncias. Mas essas discordâncias nunca nos levaram à discórdia. Acho que podemos dizer que somos uma família ecumênica.

Anos atrás surpreendeu-me uma das minhas sobrinhas, a Adriana, com a afirmação de que estava estudando o catecismo católico e que pretendia torna-se católica e que sua filha, menina ainda, tinha aderido ao catolicismo e queria seguir o catolicismo. Observei-lhe que a sua mãe tinha sido católica e que tornara-se metodista e seu pai era metodista desde sempre. Como ela ficaria com isso? Inteligente que só ela, disse:

- Da mesma forma que minha mãe lidou com a mudança de religião dela e parece que foi feliz e da mesma forma que meu pai achou que podia conviver com uma pessoa que mudou de religião. Ele terá que aprender a conviver com uma filha que optou por outra igreja e comigo. A consciência é soberana.

De conversa em conversa fiquei sabendo da sua admiração pelos santos católicos porque ela acredita que o sangue de Jesus realmente salva e o céu está cheio de santos. Seu carinho por Maria, a mãe de Jesus, que ela sentia que na Igreja Católica é muito mais citada e valorizada; seu amor pela eucaristia e também o valor que ela dava aos sacramentos e a confissão. Estes e outros motivos a levaram a procurar uma igreja, a preparar-se e a pedir a adesão da Igreja Católica, sabendo dos defeitos e falhas que há na nossa igreja, como sabia dos defeitos e falhas que havia na sua. Seu marido é um sereno adepto do espiritismo. Nem discussões nem crises. Um não força o outro. Nunca a vi falar mal da igreja em que foi formada, como também não ouvi sua mãe falar mal da igreja católica onde fora formada, nem jamais fui desrespeitado por meu excelente cunhado metodista.

Opções nascidas no recôndito da alma costumam ser bem mais serenas. Dificilmente descambam para o fanatismo. Quem muda quer ser mais ele mesmo e não mais do que os outros.
Tenho acompanhado a caminhada da minha sobrinha sem interferir, até porque, por respeito a mim, ela buscou orientação de outro padre. De vez em quando lê minhas matérias e meus artigos e concorda ou discorda, mas está se tornando uma católica cheia de perguntas e de respostas. E eu oro para que suas convicções se fortaleçam, mas não brinco de querer fazer alguém católico do meu jeito. Se ela negasse algum dogma católico, eu teria que explicar-lhe e deixar que decidisse, mas até o momento não a vi fazer isso. Então, fico feliz de ver o seu crescimento, suas dúvidas, suas interrogações. Ela é uma das pessoas que me levou a escrever este livro. Adriana e sua linda filha e seu excelente marido que tem respeito pelo catolicismo, mas tem o seu caminho próprio de espiritualidade.

Esses dias disse com clareza e afeto a um sobrinho que estuda medicina que não iria à sua formatura se soubesse que ele defende a prática do aborto. Fui radical. Ele riu. Sabe que como pessoa e como padre optei pela defesa da vida, sobretudo a mais fragilizada. Não; eu não me considero um iluminista, nem fundamentalista, nem exclusivista, nem excludente. Tenho fé e, se dependesse de mim, gostaria que o mundo inteiro fosse católico, mas não depende de mim. Deus é que é o Senhor das consciências e é ele quem sabe o que espera de cada filho e como chamará e motivará cada um.

Não pretendo usar de nenhum truque para tornar alguém católico. Mas, se uma pessoa quiser se tornar católica, tentarei mostrar-lhe alguns aspectos do catolicismo que me encantam e pelos os quais nele permaneço. Sei que outras pessoas de outras religiões também irão para o céu e que também conhecem Jesus e também têm perguntas e dúvidas como eu.

Sou daqueles que insistem que se pode ver a cachoeira de muitos lados e de muitas colinas e sei que a descrição será sempre diferente, mas podemos todos beber da mesma água, porque se trata da mesma cachoeira. Visão é uma coisa, fé é outra. O telescópio nos Estados Unidos onde eu vi os anéis de Saturno era maravilhoso, poderoso; quando tornei a ver os anéis de Saturno no telescópio, no Brasil achei maravilhoso, poderoso. Eram dois telescópios diferentes, à distância de quase dez mil quilômetros. No entanto, estávamos vendo os mesmos anéis de Saturno com condições atmosféricas diferentes. Continuei convicto de que em todos os telescópios pelos quais olhei para ver as estrelas as visões embora diferentes, mostravam a mesma realidade. As conclusões nossas é que às vezes podem ser outras.

Então, quando alguém que lê a mesma Bíblia que eu leio e conclui diferente, eu respeito; posso até discordar, mas respeito. E, quando ele quer me impor a sua leitura de Bíblia e a sua visão, tiro os meus óculos, ponho nos olhos dele e digo:

-Este é o instrumento pelo qual eu vejo bem. Você consegue ver bem por ele?

Faço, então, entender que meus óculos me ajudam a ver bem, porque servem para a minha miopia. Os dele não servem para a minha, nem os meus para a dele. Então, que ele trate de achar os seus óculos e respeitar os meus, porque eu respeito os dele. Com a Bíblia é a mesma coisa. Não venha brigar comigo por causa de suas versões e traduções, porque eu já li provavelmente os mesmos livros que ele leu e ainda outros; não me venha gritar do lado de lá que eu do lado de cá da minha colina não posso ver direito a cachoeira; eu sei o que estou vendo e, se ele acha que está vendo muito, palmas para ele, mas respeite a minha luneta, a minha colina, os meus óculos, a minha visão e a minha interpretação. E, se nós dois soubéssemos nadar nas águas puras que vêm da cachoeira, seria bom que fôssemos beber juntos da mesma água, bem no centro do rio que ela forma. Aí, veríamos o que é anunciar e beber das águas eternas.

Só porque ele fez uma praia confortável do lado de lá do rio dele isso não significa que suas águas são mais limpas; só porque eu fiz um pequeno dique do lado de cá do rio não significa que as águas do meu dique são mais limpas; são as mesmas águas. Mas ambos podemos sujar o nosso lado das águas; e a pior sujeira que se pode fazer com as águas eternas é alguém apossar-se delas e dizer que só ali é que existe água de primeira qualidade.

Chego a sentir pena de certos pregadores que, para fazer discípulos para Cristo, primeiro os trazem para si, tirando-os dos outros. Vão buscar ouvintes entre os ouvintes dos outros. Ao invés de pregar a fé, a tolerância e o diálogo, pregam uma certeza que ninguém pode ter porque o justo vive da fé; e levam os fiéis das outras igrejas e da sua, mas de outros movimentos, a acreditar que só ali se encontra a graça de Deus.

São cristãos de coração muito grande, mas de mente estreita. Fé, para ser boa, não basta ser generosa; também tem que ser inteligente e compassiva, porque, se não o for não conseguirá ser nem mesmo dialogante.

Pe Zezinho scj

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